Existe crise financeira nos municípios do Maranhão?

Foto: Divulgação 


Recentemente assistimos prefeitos das mais variadas cidades do Maranhão e até mesmo a Federação que os congrega proferindo discursos enfáticos sobre a crise financeira em que vive seus municípios. Conforme recortes jornalísticos a insatisfação decorre do fato de que as receitas oriundas das transferências constitucionais da União para os municípios sofreram uma redução significativa em comparação com o ano 2022, enquanto as despesas principalmente as vinculadas ao pessoal sofreramum aumento muito acima das expectativas da receita,gerando uma extrema dificuldade de se manter serviços públicos essenciais em pleno funcionamento.

Neste artigo buscaremos responder, com base em dados fidedignos dTesouro Nacional, se de fato houve uma redução das receitas transferidas e em até que ponto impacta diretamente no funcionamento de outros serviços públicos, já que os municípios possuem diversas fontes de recursos financeiros além das transferências constitucionais.

Antes de adentrar nas questões específicas do tema é preciso entender o cenário em que se encontra o município dentro do federalismo brasileiro.

elevação do Munícipio à condição de ente federativo em um primeiro momento pareceu ser, ao menos sobre a perspectiva dos municipalistas, um avanço na democracia e na descentralização das políticas públicas. Na perspectiva política, tratava-se de um processo de redemocratização das estruturas de poder, de modo a transferir até a esfera local de governo as políticas sociais, onde elas poderiam ser mais bem submetidas ao controle social (Fleury, 2006).

Porém sobre outra perspectiva, o fortalecimento dos municípios causou impactos negativos tanto para a Uniãoquanto aos próprios munícipios.  Para o Governo Central, há quem defenda que a descentralização alimentou a ingovernabilidade, devido à perda de receitas da esfera federal de poder, já nos municípios visualizava-se àincapacidade técnica destes para assumir as novas responsabilidades políticas, além dos problemas derivados da insuficiência de escala que a maioria apresenta no que tange a várias políticas públicas (Resende, 2007).

Como o passar dos anos vimos hoje que aquela vislumbrada defesa da democracia e descentralização de poder passa pelo processo inverso. A União se fortaleceu economicamente e por via de consequência, politicamente, fazendo fortalecer dia a dia o processo de recentralizaçao do poder público-político.

No entanto, não houve recentralização nas políticas, cuja execução fora transferida para os municípios. Ao contrário, houve obrigatoriedade crescente de os municípios assumirem boa parte do financiamento das políticas públicas, anteriormente a cargos da União e dos Estados.

princípio geral que delineia a repartição de competências entre as entidades componentes do Estado Federal é o da “predominância do interesse”, que se manifesta nas afirmações de que à União caberão as matérias de “interesse geral”; aos estados, as de “predominante interesse regional”; e, aos municípios, aqueles “assuntos de interesse local”conforme os poderes enumerados nos artigos 20 a 30 da Constituição Federal.

Dito de outra forma, temos que a União ficou com maior Poder Político e financeiro enquanto os municípiosficaram com as obrigações de cumprimento da maioria das políticas sociais, por serem essas predominantemente de “interesse local”.

Pois bem, feito essas considerações introdutórias passamos analisar os dados referentes as finanças dos municípios do Maranhão tomada como todo, isto é,analisando globalmente todos os municípios do Estado, sem individualizar nenhum município.

As finanças municipais são constituídas por receitas oriundas de diversas fontes. Além das receitas próprias, as receitas de transferências da União para os municípios representam o maior volume de recursos previsto na Constituição, destacam-se: o Fundo de Participação dos Municípios – FPM; IPI – Exportação; CIDE-Combustíveis; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb; Royalties; e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural  ITR. Tem ainda as transferências do Estado aos municípios, decorrentes da repartição das receitas tributária do ICMS e IPVA.

Entre as receitas transferidas, o FPM possui maior representatividade e a fixação dos parâmetros a serem utilizados para distribuição das cota-partes são definidasanualmente pelo Tribunal de Contas da União-TCU, como base em dados do IBGE.

Ocorre que o último censo demográfico concluído pelo IBGE remonta ao ano de 2010, ou seja, pouco mais de 12 anos atrás, e o Censo de 2022, por diversos motivos amplamente noticiados pela imprensa nacional, foi bastante tumultuado, resultando que em fevereiro deste ano, o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, manteve a suspensão da Decisão Normativa 201/2022 do Tribunal de Contas da União (TCU), que determinava a utilização dos dados do Censo Demográfico de 2022, que ainda não havia sido concluído. Com isso, os parâmetros da norma anterior (Decisão Normativa TCU 193/2021, relativa ao exercício de 2022) deveriam ser aplicados para o exercício de 2023.

Com toda essa celeuma houve uma indefinição e insegurança na fixação dos valores do FPM aos municípios, que somado ao fato das receitas não estarem no patamar de supostas as despesas, causaram alvoroço nos gestores municipais.

Nesse artigo trataremos apenas do FPM e FUNDEB, considerando sua maior parcela de representatividadefrente as demais receitas. A tabela abaixo demonstra os valores recebidos pelos municípios do Maranhão, tomado como um todo nos períodos compreendidos de janeiro a agosto de 2021, 2022 e 2023.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados obtidos em https://www.tesourotransparente.gov.br/consultas/transferencias-constitucionais-realizadas em 29 de agosto de 2023. * Os valores já estão descontados da parcela de 20% destinado a FUNDEB

Considerando-se a taxa de inflação acumulada dos últimos 12 meses apurada pelo IBGE/IPCA de 3,99% é possível seconstatar uma drástica redução das principais receitas de transferências da União.

Ao contrário da série histórica de anos anteriores em que houve um pequeno aumento nominal dos valores do repasse, o mesmo não se observando quando se compara os exercícios 2022 e 2023.

Por outro lado, para se analisar o cenário econômico das finanças municipais e necessário conhecer das receitas eas despesas. Quanto as estas é que reside uma problemática ainda maior.

Os municípios “respondem por 38,5% dos gastos sociais universais, desconsiderando-se os benefícios de proteção social. A participação relativa dos municípios chega a 40,2% na educação; 46,7% na saúde; 53,8% na habitação; e 79,7% no saneamento” (Afonso, 2018).

Nos munícipios, ao contrário da União, não existe o chamado teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à inflação registrada no ano anterior, dessa forma, as administrações não têm conseguido conter o aumento real das despesas obrigatórias, como pessoal, previdência e insumos, a ponto de garantir uma estabilidade econômico-financeira, fazendo surgir um cenário desolador.

União, a despeito das regras constitucionais que impedem a transferência de encargos aos munícipios sem a correspondente compensação financeira (CF. artigo 167 § 7º) tem sido responsável pelo incremento desordenado das despesas obrigatórias dos munícipios. Exemplos são diversos: reajustes sistemáticos de categorias de servidores municipais acima do salário-mínimo (professores, agente de saúde, enfermeiros), geração desordenada de despesas obrigatória de caráter continuado, quando se transfere recursos para construção de escolas e unidades de saúde, sem o respectivo incremento nas despesas de custeio, dentre diversas outras circunstâncias.

Para se ter uma ideia, o resultado primário da União em 2023 tem apresentado tendência de queda, em relação a 2022, devido à combinação de queda real da arrecadação e crescimento da despesa. No acumulado no primeiro semestre do ano, o déficit primário foi estimado em R$ 41,3 bilhões a preços de junho, ante o superávit de R$ 59 bilhões no mesmo período de 2022.

Nesse contexto, o cenário dos outros entes subnacionais (Estado e Municípios) também apontam para o mesmo resultado.  As despesas, em especial aquelas contínuas e não-discricionárias vem sofrendo aumentos bem superiores as experimentadas pelas despesas que o suportam e ainda precisam arcar com encargos transferidos pelUnião.

Essa semana foi muito comemorado a aprovação da Lei que retoma a política de valorização do salário-mínimo. O texto também trata do aumento da faixa daqueles que terão isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física de forma permanente aplicados já em 2023.

Essas duas conquistas do povo brasileiro, em especial aqueles de baixa renda e de classe média, trazem impactos gigantesco nas finanças dos munícios. A um, porque a maioria dos trabalhadores dos pequenos municípios do Maranhão (90% possuem menos de 50 mil habitantes)possuem o salário-mínimo como renda básica. A dois, porque ao aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda, a União compromete a distribuição do FPM aos Municípios.

Na área educacional o cenário é mais desolador. Os municípios possuem como fonte de receita principal o FUNDEB- Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação e seus aditivos (VAAT, VAAF e VAAR).  

Os sucessivos reajustes do Piso do Magistérios nos últimos dois anos (33,24% e 14,95%) acarretou, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, um impacto de mais de R$ 19,4 bilhões aos cofres das prefeituras brasileiras, somente em 2023.

As despesas com Educação nos municípios do Maranhão, conforme levantamento realizado pelo Instituto de Contabilidade e Planejamento do Maranhão- ICPM, alcança o percentual de 85% das receitas vinculadas do município. Isso significa dizer que enquanto as despesas aumentam na proporção de 14% anual, as receitas diminuem mais de 5%, gerando mais um déficit financeiros nas finanças municipais.

 Estudo do Conselho Federal de Medicina aponta que grande parte dos municípios brasileiros estão se vendo cada vez mais sobrecarregados, investindo, em média, quase 30% de seus orçamentos na saúde. Segundo os dados oficiais só as despesas municipais com recursos próprios aumentaram 53% nos últimos anos, passando de R$ 59,9 bilhões para R$ 91,5 bilhões, em valores atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor amplo (IPCA). No mesmo período, os gastos federais e estaduais subiram 38% e 35%, respectivamente.

Conforme o mesmo Estudo em 2008, as prefeituras assumiam 29% do gasto público. Esse percentual em 2021alcançou 31,3%. Já a União, que na década de 1990 chegou a ser responsável por 75% do financiamento da saúde no Brasil, praticamente se manteve próxima de 43% nos últimos anos. No caso dos estados, o índice teve pouca variação no período, oscilando entre 25,4% e 27,6% das despesas.

Nesse contexto, as dificuldades enfrentadas pelos municípios em relação às suas finanças públicas representam um desafio premente e multifacetado que merece atenção e reflexão. A gestão financeira municipal frequentemente se depara com um equilíbrio delicado entre as demandas crescentes por serviços públicos de qualidade e os recursos limitados disponíveis. Questões como a dependência de repasses estaduais e federais, a rigidez dos gastos obrigatórios, bem como a complexidade tributária, torna ainda mais árdua a tarefa de garantir uma gestão financeira estável e sustentável. Além disso, eventos imprevisíveis, como crises econômicas ou desastres naturais, podem agravar ainda mais a situação. Portanto, entender e abordar as dificuldades financeiras dos municípios é fundamental para promover o desenvolvimento local e proporcionar uma melhor qualidade de vida para seus habitantes.

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